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domingo, 5 de fevereiro de 2012

Entrevista com o Professor Luís Henrique Barbante Franzé

Amigos do blog Jus Estudantes. É com muito orgulho que publicamos a entrevista realizada com o Professor Doutor Luís Henrique Barbante Franzé, que teve seu livro - Teoria Geral dos Recursos Revisitada - comentado no blog e  que gentilmente aceitou nosso convite.

Luís Henrique Barbante Franzé é Pós-doutorando pela Faculdade de Direito de Lisboa; Doutor em Processo Civil pela PUC/SP; Mestre em Processo Civil; Especialista em Direito Civil e Processo Civil; Professor no curso de mestrado do Centro Universitário Eurípedes Soares da Rocha (Univem) e no curso de graduação da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e nos cursos de pós-graduação da Escola Paulista de Direito (EPD) e do Centro Universitário Toledo (Unitoledo). Advogado.



Professor é nítida a indignação social diante da morosidade do judiciário, como conciliar celeridade processual sem prejuízo de um processo justo? É possível?
A decisão “justa” é que legitima a decisão proferida pelo Estado-Juiz. Mas para ser “justa” também é necessário que seja proferida dentro de prazo razoável, isto é, sem morosidade. Por exemplo, de que adianta uma pessoa sem condição financeira - que necessita de um medicamento caro e vital -, aguardar por cinco meses para que seja apreciada a sua liminar? Ainda que a liminar seja deferida, quando o medicamento efetivamente for obtido provavelmente já estará falecido. Esta certamente não é a “justiça” que o Estado-Juiz deve entregar aos jurisdicionados.
Quanto à morosidade, a solução é difícil. Aliás, se fosse simples ela já teria sido resolvida. Contudo, creio que minimizaria muito a morosidade se ela fosse combatida em seu conjunto, levando em consideração as suas causas, para que sejam combatidos os aspectos, a saber: a) falta de investimento do Poder Público no Judiciário; b) melhoria na gestão do judiciário; c) ampliação dos meios extrajudiciais de resolução de conflitos, como a mediação, arbitragem e correlatos; d) leis mais preocupadas com o direito das partes e menos com as formalidades desnecessárias.
Enfim, de nada adiantará criar um novo CPC, por exemplo, se o problema da morosidade não for examinado em sua totalidade, diante de todos estes aspectos apontados no parágrafo anterior.




Miguel Teixeira de Sousa, citado nas páginas 21 e 22 de seu livro Teoria Geral dos Recursos Revisitada, nos fornece 7 requisitos para que haja um processo justo, sendo eles: organização do Judiciário, investimento estatal, acesso universal à justiça, igualdade das partes e contraditório, previsibilidade de pronunciamento, prazo razoável de duração do processo e procedimentos diferenciados. Na sua opinião qual/is desses requisitos o Brasil precisa melhorar?
Não apenas no Brasil, mas na grande maioria dos países, todos estes requisitos precisam melhorar. Daí a importância de o legislador observar também os quatro aspectos apontados na resposta anterior.




A informatização do processo resolverá o problema da morosidade do judiciário?
A informatização já está amenizando a morosidade. Porém, é ilusão imaginar que ela, isoladamente, resolverá totalmente o problema. Por exemplo, há cerca de cinco anos um Juiz que atuava em um fórum informatizado me dizia que estava demorando cerca de quinze dias para que um documento digitalizado fosse juntado pelo serventuário nos autos virtuais. Qual o motivo desta demora? A resposta está na falta de funcionários em quantidade suficiente; na falta de capacitação dos mesmos e assim por diante. Em outras palavras, estamos diante da falta de investimentos e de gestão.
Por outro lado, a informatização poderá acelerar os procedimentos burocráticos, mas isto não mudará a realidade e a importância da atuação do juiz nos autos, que continuará tendo que analisar os autos antes de decidir.  




A extinção do agravo retido, dos embargos infringentes e das remessas necessárias no novo C.P.C. é um avanço para que haja celeridade processual? Retirar esses recursos, não haverá prejuízos para os jurisdicionados?
Uma coisa que me preocupa é quando se elege o RECURSO como o grande vilão e causador da morosidade, sem quaisquer outros esclarecimentos. Pode até se chegar a esta conclusão, mas depois de analisar os seus prós e contras.
No caso do projeto de CPC que tramita atualmente na Câmara dos Deputados, penso que não fez mudanças radicais.
É que a remessa necessária obriga que as sentenças proferidas contra o poder público sejam revistas pelo tribunal para serem executadas (CPC, art. 475). Ora, o próprio legislador já vinha mitigando esta remessa necessária, na medida em que afastava a sua incidência em algumas situações, como nas causas inferiores a sessenta salários mínimos e nas sentenças fundadas em súmulas dos tribunais superiores. Logo, a sua extinção não trará maiores conseqüências.
Quanto aos embargos infringentes, atualmente, apenas são cabíveis quando houver acórdão que reforme sentença de mérito, bem como exista um voto vencido. Entendo que a sua retirada não trará maiores prejuízos aos jurisdicionados, pelos motivos, a saber: a) existe muito pouca divergência nos tribunais que geralmente decidem por unanimidade; b) apenas são usados nos tribunais de segundo grau, em regra; c) demoram para ser julgados, gerando morosidade; d) caso o acórdão venha a divergir da jurisprudência do STJ, não foi retirada a possibilidade de interposição de recurso especial para o STJ (CF, art. 105, inc. III, “a”).
Por fim, ainda guardo reservas quanto à retirada do agravo retido do processo civil brasileiro. O projeto de CPC, que tramita na Câmara dos Deputados sob o nº 8.046/10, permite que as interlocutórias que não forem objeto de agravo de instrumento, possam ser impugnadas apenas na ocasião da futura e eventual apelação. Ora, este enorme retardamento do prazo para recurso (imposto pela retirada do agravo retido) trará maior imprevisibilidade ao processo, já que a parte adversa apenas saberá se existirá recurso das decisões após a apelação (e não mais no prazo de dez dias). Além disso, o procedimento do agravo retido não gera maiores transtornos ao processo, além de não ter efeito suspensivo. 




Segundo pesquisa realizada pelo CNJ no ano de 2008 somente 2,1% dos embargos declaratórios foram providos na Justiça Estadual. Por que os magistrados dificilmente modificam seus pronunciamentos?
Importante ressaltar que os embargos de declaração têm como principal função que o juízo esclareça o seu pronunciamento e não tanto a reforma do mesmo. No entanto este recurso é importantíssimo e existe em praticamente todos os ordenamentos jurídicos (ainda que alguns países não o tratem como recurso). É que a retratação do juiz gera a celeridade, pois torna desnecessário o recurso.
Porém, este pequeno percentual de “retratações” do próprio julgador evidencia também a dificuldade de o próprio julgador rever o seu erro.
Aliás, é natural esta dificuldade, porque o juiz, como qualquer outro ser humano e por mais culto que seja, está limitado pelo seu horizonte. Por exemplo, se uma pessoa observa uma televisão ligada pela frente definirá este objeto como algo que tem som e imagem, mas se outra pessoa olha pelo fundo (outro horizonte) poderá jurar que a televisão não passaria de um rádio, pois apenas teria som, já que não viu a imagem. Em outras palavras, duas pessoas com duas definições diferentes sobre o mesmo objeto apenas porque estavam em horizontes diferentes.
O direito também possibilita opiniões divergentes sobre o mesmo tema. Logo, esta é a importância do julgamento do recurso por um colegiado, onde os julgadores – cada um com sua experiência de vida, ou seja, com seu respectivo horizonte -, irão debater sobre o tema impugnado pelo recurso, para chegarem a um consenso determinado pela opinião da maioria.




A Emenda Constitucional 45/04 criou o Conselho Nacional de Justiça como órgão de cúpula do judiciário. Houve melhora na prestação jurisdicional com a criação do CNJ?
Não vejo o CNJ como órgão de cúpula de todo o judiciário. Tanto que as eventuais inconstitucionalidades praticadas pelo CNJ podem ser impugnadas no STF. Contudo, o CNJ tem uma importante função constitucional, que é a de controlar a atuação administrativa e financeira do judiciário, além dos deveres funcionais dos juízes. Nesta parte administrativa do judiciário realmente ele ocupa a função de cúpula.
No saldo, o CNJ trouxe melhora da prestação jurisdicional ao exercer a sua competência, quer seja fazendo mutirões para liberar pessoas presas além do prazo; quer seja cobrando juízes pelo excesso de prazo, quer seja buscando unificar o sistema de informatização dos tribunais, dentre outros exemplos. 




Qual a natureza jurídica dos pronunciamentos do CNJ?
O CNJ e os seus pronunciamentos não têm a função jurisdicional, ou seja, não podem reexaminar o conteúdo da decisão judicial inerente às causas que lhe são submetidas. A função do CNJ tem caráter predominantemente administrativo, ou seja, supervisionam a atividade judicial, no que concerne a sua administração, atividade financeira e deveres funcionais dos juízes. Jamais poderão dizer, por exemplo, se o fundamento da sentença do juiz estiver correto ou errado, já que isto deve ser apreciado pelos tribunais competentes, quando provocados por recursos.




Alexandre de Moraes em sua obra Direito Constitucional declara que: "Se a demora nas decisões é inconcebível, por retardar a Justiça aos cidadãos, também é inconcebível a demora na regulamentação das normas, que afasta os cidadãos de seus direitos; ou mesmo, a demora administrativa na implementação dos diversos direitos sociais. O problema, portanto, é estrutural, e não somente do Poder Judiciário, que, por sua vez, deve obrigatoriamente, modernizar a prestação da atividade jurisdicional, adaptando-se aos novos tempos sem perder sua autonomia"(p. 538). O professor concorda com este posicionamento? O problema da morosidade processual deve ser enfrentado pelos demais Poderes?
Concordo que o problema seja estrutural e deve ser enfrentado por todos os Poderes com o propósito de implementar os quatro aspectos relacionados na resposta da segunda pergunta (investimentos no judiciário; gestão; leis com procedimentos menos burocráticos e maior uso dos meios alternativos de solução de conflitos). No entanto o que preocupa é a aceitação passiva desta morosidade como se fosse uma coisa normal. 




Qual seu posicionamento referente a atuação do CNJ? O professor é a favor de uma supercorregedoria?
A atuação do CNJ, no saldo, é positiva para o judiciário e para a própria população, notadamente quando são feitas pesquisas sobre a realidade do sistema judiciário, permitindo verificar os pontos falhos; quando cobra o julgamento de recursos que ficam represados nos tribunais e assim por diante.
Quanto à polêmica da supercorregedoria debatida na mídia e no próprio STF, me parece que o problema não está no rótulo (supercorregedoria), mas sim no conteúdo de sua atuação. Ora é inegável que é a nossa Lei Maior (Constituição), que autoriza o CNJ a exercer a sua função administrativa e isso não pode ser contestado e muito menos afastado.




Os últimos acontecimentos envolvendo o STF e o CNJ apontam para uma crise no judiciário?
Crises no judiciário existem desde quando ele passou a existir, praticamente. Na democracia é necessário ouvir e ponderar as opiniões, ainda que divergentes. Estas crises sempre existirão.
De qualquer forma, nas pesquisas que tenho visto – embora em queda - o judiciário ainda tem boa confiança da população. E para que esta confiança tenha continuidade é imprescindível que as decisões sejam justas, ou seja, que resultem de um “processo justo”.



Um livro? 
Bíblia



Um autor? 
Aristóteles



Um grande jurista?
Rui Barbosa



Um grande brasileiro? 
Santos Dumont



O que o direito tem de melhor? 
Ajuda a conscientizar a sociedade que o direito de cada pessoa termina exatamente aonde começa o do próximo.



O que o direito tem de pior? 
A má interpretação feita por que tem o poder de decisão



Luís Henrique Barbante Franzé seu autorretrato?
Consciência de que a vida é um aprendizado constante



Uma mensagem para os Jus Estudantes? 
Ficam os meus efusivos parabéns ao Jus Estudantes por auxiliar na divulgação do direito. É a partir do conhecimento e da conscientização do direito que permitirá uma sociedade mais justa.



Agradecemos o carinho e especial atenção do ilustre Professor Doutor Luís Franzé pela entrevista.

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