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terça-feira, 18 de outubro de 2011

Penápolis autoriza primeiro casamento homoafetivo da comarca

O juiz Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira, da 2ª Vara de Penápolis, autorizou na última quinta-feira (13) o casamento de dois homens que conviviam em união estável desde junho de 2007. Essa é a primeira autorização de casamento homoafetivo da comarca, que abrange os municípios de Alto Alegre, Avanhandava, Barbosa, Braúna, Glicério e os distritos de Jatobá, Juritis e São Martinho D'Oeste.

O pedido foi protocolado em uma das cidades atendidas pelo fórum penapolense, houve tramitação regular e não se detectou nenhum impedimento; a  única pendência existente era a coincidência dos sexos dos contraentes. O Ministério Público opinou favoravelmente ao casamento e o juiz autorizou o feito.

Em sua decisão, o magistrado argumentou que “o Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277, decidiu, aos 5/5/2011, por unanimidade, com eficácia 'erga omnes' e efeito vinculante, reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo e lhe outorgou os mesmos efeitos da união estável regida pela Lei 9.278/1996”.

Segundo Ponce de Oliveira, "se não tivesse havido pontual intervenção do Judiciário, talvez a insegurança jurídica que sempre preocupou os casais homossexuais não chegaria ao fim tão cedo, contribuindo para a perpetuação do sofrimento de pessoas que, não se pode negar, mesmo diante do reconhecimento do direito à união estável e ao casamento, por um longo tempo, infelizmente, ainda não estarão imunes de olhares, pensamentos e atitudes discriminatórias, e de serem tratados como se humanas não fossem”.

Ponce acrescentou que “de qualquer forma, o reconhecimento do direito de constituir família, sem dúvida, contribuirá para que a sociedade gradativamente reconheça os homossexuais, efetivamente, como parte integrante”.

O juiz afirmou que a base da sociedade é amparar a dignidade da pessoa humana e proteger a entidade familiar e ressalta que “um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, como se sabe, é o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º da Constituição Federal)”, concluiu em sua decisão.


Decisão do juiz Ponce:



Decido.

O egrégio Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277, decidiu, aos 5/5/2011,  por unanimidade,  com eficácia “erga omnes” e efeito vinculante,  reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo e lhe outorgou os mesmos efeitos da união estável regida pela Lei 9.278/1996. 

O voto do eminente Relator Min. Celso de Mello, de início, destacou que o Supremo estava suficientemente abastecido de informações e de posicionamentos para resolver, com segurança, a questão “sub judice”. 

Anotou que vários amigos da Corte foram admitidos e que essa providência contribuiu para a troca de idéias a respeito do polêmico assunto. Trouxe interessante digressão histórica da forte repressão que os homossexuais vêm recebendo desde que os tempos do Brasil colonial. Mencionou dispositivos legais que classificou como preconceituosos, discriminatórios e excludentes. 

Enfatizou que “ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual”; e que ao Estado é vedado editar regras que possam surtir tais efeitos. Ponderou a necessidade de dar  efetividade ao  princípio  da igualdade, ao  respeito à liberdade pessoal, à autonomia individual e à dignidade da pessoa humana, esta, apontada como “verdadeiro valor-fonte 
que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional”. Salientou a necessidade de rompimento de  paradigmas históricos e culturais que impediam a busca da felicidade por parte de homossexuais. Adjetivou a resistência social ao reconhecimento de direitos dos homossexuais de “incompreensível”. Referenciou opiniões de juristas consagrados  e decisões judiciais acerca da necessidade de se ampararem legalmente as uniões 
homoafetivas, diante das conseqüências jurídicas que delas podem advir. 

Acerca do art. 226 da Constituição Federal, externou o entendimento de que apesar não ter previsto expressamente a união entre pessoas do mesmo sexo, também não a impediu, circunstância que, somada à interpretação e incidência de outros princípios constitucionais, especialmente do  “postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade”, autoriza o reconhecimento. Lembrou, apoiando-se na lição de Daniel Sarmento, que esse art. 226 foi redigido com vistas à inclusão social e que, por isso, não poderia ser interpretado de modo a discriminar os homossexuais. 

Transcreveu a conclusão de Luís Roberto Barroso, no sentido de que a menção à “união estável entre homem e mulher” no § 3º do art. 226 não excluiu a possibilidade de reconhecimento da união homossexual, já que adotou aquela redação unicamente porque historicamente era necessário legalizar a situação da companheira. 

Salientou que como o Poder Legislativo, dominado por pensamentos majoritários (acrescento, até mesmo por conveniência política, para não contrariar o eleitorado), não tem dado resposta adequada à minoria homossexual e que assim tem comprometido a busca da felicidade. Argumentou que como “o regime democrático não tolera nem admite a opressão da minoria por grupos majoritários”, o Judiciário, do qual orgulhosamente faço parte, deve atuar como poder contramajoritário, equilibrar os Poderes e garantir direitos fundamentais. Afirmou que “a opção do legislador constituinte  pela concepção democrática  do Estado de Direito não pode esgotar-se numa simples proclamação retórica” e concluiu pelo “rompimento dos obstáculos que impedem a pretendida qualificação da união civil homossexual como entidade familiar”. 

Concordou que o afeto é elemento formador da família e que por isso precisa ser valorizado.Esse mesmo afeto foi objeto de especial consideração no voto do Min. Marco Aurélio: Em detrimento do patrimônio, elegeram-se o amor, o carinho e a afetividade entre os membros como elementos centrais de caracterização da entidade familiar. Alterou-se a visão tradicional sobre a família, que deixa de servir a fins meramente patrimoniais e passa a existir para que os respectivos membros possam ter uma vida plena comum.

Abandonou-se o conceito de família enquanto “instituição-fim em si mesmo”, para identificar nela a qualidade de instrumento a serviço da dignidade de cada partícipe, como defende Guilherme Calmon Nogueira da Gama (Direito de família e o novo Código Civil, p. 93, citado por Maria Berenice Dias, Manual de direito das famílias, 2010, p. 43).

O eminente Min. Ricardo Lewandowsky também proferiu voto “para que sejam aplicadas às uniões homoafetivas, caracterizadas como entidades familiares, as prescrições legais relativas às uniões estáveis heterossexuais, excluídas aquelas que exijam a diversidade de sexo para o seu exercício, até que sobrevenham disposições normativas específicas que regulem tais relações”.  Transcreveu trecho da discussão que envolveu a aprovação da redação do § 3º do art. 226 da Constituição para, todavia,  ressalvar  que a união estável somente poderia abrigar pessoas de sexos distintos. 

Sem prejuízo, destacou: 

Muito embora o texto constitucional tenha sido taxativo ao dispor que a união estável é aquela formada por pessoas de sexos diversos, tal ressalva não significa que a união homoafetiva pública, continuada e duradoura não possa ser identificada como entidade familiar apta a merecer proteção estatal, diante do rol meramente exemplificativo do art. 226, quando mais não seja em homenagem aos valores e princípios basilares do texto constitucional. 

E observou: 

que não se está, aqui, a reconhecer uma  “união estável homoafetiva”, por interpretação extensiva do § 3º do art. 226, mas uma  “união homoafetiva estável”, mediante um processo de integração analógica. Quer dizer, desvela-se, por esse método, outra espécie de entidade familiar, que se coloca ao lado daquelas formadas pelo casamento, pela união estável entre um homem e uma mulher e por qualquer dos pais e seus descendentes, explicitadas no texto constitucional. Com a devida vênia, esses argumentos não podem fundamentar a vedação ao casamento de pessoas do mesmo sexo, já que é conseqüência do reconhecimento da união estável homossexual como entidade familiar. Não vejo como cindir o entendimento para reconhecer a possibilidade jurídica de uma e não do outro. No seu voto, o Min. Marco Aurélio discorreu sobre a evolução da definição de família e classificou a Constituição de 1988 como “marco divisor”, pois  família era só a matrimonial e a Carta promoveu o  reconhecimento jurídico de outras formas familiares. A discussão dos constituintes acerca daquela que a comissão entendeu como mais adequada redação do citado § 3º somente confirmou a critica que o Min. Celso de Mello dirigiu à atuação do Legislativo: a inclusão da expressão “homem e mulher” foi proposta pelo Dep. Bispo Roberto Augusto, ou seja, foi fruto de orientação religiosa, e sabemos que posicionamentos religiosos, por mais que devam ser respeitados, muitas PODER vezes interferem negativamente na justiça das decisões e da criação de regras. 

Ademais, essa mera discussão parlamentar não pode prevalecer na interpretação do verdadeiro espírito da Constituição em amparar a dignidade da pessoa humana e em proteger a entidade familiar, base da sociedade. Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, como se sabe, é o de  promover o bem de todos, sem preconceitos  de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º da Constituição Federal).

Portanto, andou bem o eminente Relator Ayres Britto quando escreveu que o “sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica”.

O art. 226 da Constituição Federal determina que se proteja especialmente a família, considerada base da sociedade, e que se favoreça a conversão da união estável em casamento: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Se o Supremo entendeu que a previsão do § 3º do art. 226 não pode ser interpretada como vedação ao reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo; e se referida conversão deve ser facilitada, entendo que nada impede o casamento civil dos interessados.
A leitura fria dos arts. 1.514 e 1.517 no que tange à necessidade de diversidade de sexos para que duas possam se casar, diante do entendimento firmado pelo Supremo, não pode obstaculizar a formalização do casamento.

E o STF apenas não tratou do casamento de pessoas do mesmo sexo porque este instituto não era objeto da ação direta, muito embora seja bastante previsível, à luz do teor dos votos da maioria dos seus Ministros, que, quando for instado, aprovará a cerimônia. Não é do feitio do Supremo antecipar discussões e processualmente a antecipação não se justifica.

Longe de promover indevido ativismo judicial (rechaçado no voto do Min. Marco Aurélio, frise-se), o Supremo apenas reconheceu uma realidade que sempre existiu. Não vislumbro qualquer risco de conseqüências danosas à sociedade, mas, ao contrário, inclusão social, aspiração maior de todo o povo brasileiro. Nem mesmo uma pretensa proteção à moralidade justificaria a negativa, diante até mesmo da dificuldade de se definir, com precisão, o seu conteúdo. 

Será que determinadas cenas exibidas em rede nacional no Carnaval envolvendo pessoas ditas heterossexuais, para dar apenas um exemplo, não seriam muito mais ofensivas à moralidade? Como bem ressaltou o Min. Marco Aurélio: (...)  é incorreta a prevalência, em todas as esferas, de razões morais ou religiosas. Especificamente quanto à religião, não podem a fé e as orientações morais dela decorrentes ser impostas a quem quer que seja e por quem quer que seja. As garantias de liberdade religiosa e do Estado Laico impedem que concepções morais religiosas guiem o tratamento estatal dispensado a direitos fundamentais, tais como o direito à dignidade da pessoa humana, o direito à autodeterminação, o direito à privacidade e o direito à liberdade de orientação sexual. 

(...)  A solução, de qualquer sorte, independe do legislador, porquanto decorre diretamente dos direitos fundamentais, em especial do direito à dignidade da pessoa humana, sob a diretriz do artigo 226 e parágrafos da Carta da República de 1988, no que permitiu a reformulação do conceito de família 

(...) De nada serviria a positivação de direitos na Constituição, se eles fossem lidos em conformidade com a opinião pública dominante. Em suma: não tivesse havido pontual intervenção do Judiciário, talvez a insegurança jurídica que sempre preocupou os casais homossexuais não chegaria ao fim tão cedo, contribuindo para a perpetuação do sofrimento de pessoas que, não se pode negar, mesmo diante do reconhecimento do direito à união estável e ao casamento, por um longo tempo, infelizmente, ainda não estarão imunes de olhares, pensamentos e atitudes discriminatórias, e de serem tratados como se humanas não fossem. De qualquer forma, o reconhecimento do direito de constituir família, sem dúvida, contribuirá para que a sociedade gradativamente reconheça os homossexuais, efetivamente, como parte integrante.

Restituo os autos ao Sr. Oficial, para ultimar o casamento, na forma da lei, mas considerando irrelevante a diversidade dos sexos dos pretendentes.

Ciência ao Ministério Público.

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